Além do Ponto de Fusão
Todas as tardes: os chocolates, a água gelada, as pedras de gelo. Às vezes um suco, mas sempre as pedras de gelo.
Roendo as unhas da mão esquerda, escreve com a direita: "Felidae, porque família termina em idae, segundo a regra de nomenclatura binomial proposta por Lineu".
Pausa. Encara a parede cheia de retratos que resumem a vida ativa de sua irmã. Profundo suspiro. Mais chocolates. Agora, o preferido, pedacinhos de açúcar e cacau que adoçam e ferem seus dentes, sensíveis pelo excesso de glicose e gelo, muito gelo.
Sempre magra, por sorte ou ruindade, tentando se encaixar, não num lugar, mas num tempo. Come, lê, come, relê, come, come...
A digestão nunca foi fácil para ela, de todas as coisas do mundo. Pára, percebe, analisa, contrai. Com a cervical em C e a lombar em S, acende a luminária (e a escrivaninha cada vez mais cinza, cada vez mais grafite, cada vez mais rascunho), abre o único livro espiralado que gostaria de não ler e o lê, fervorosamente, 6 horas por dia, até que o jantar fique pronto, até que o chuveiro esquente aquela água clorada, até que um amigo (que reconhece suas marcas invisíveis) on-line pergunte: "como você está?" e ela responda: "tô bem, tô indo...".
Olha agora para o teto, cheio de falsas estrelas e explica para si porque elas brilham no escuro: "são os elétrons excitados voltando para as camadas menos energéticas e liberando ondas eletromagnéticas em forma de luz". Permite-se, por um instante: "quando foi que tudo ficou tão vazio?".
Enche mais um copo com gelo, muito gelo.
Roendo as unhas da mão esquerda, escreve com a direita: "Felidae, porque família termina em idae, segundo a regra de nomenclatura binomial proposta por Lineu".
Pausa. Encara a parede cheia de retratos que resumem a vida ativa de sua irmã. Profundo suspiro. Mais chocolates. Agora, o preferido, pedacinhos de açúcar e cacau que adoçam e ferem seus dentes, sensíveis pelo excesso de glicose e gelo, muito gelo.
Sempre magra, por sorte ou ruindade, tentando se encaixar, não num lugar, mas num tempo. Come, lê, come, relê, come, come...
A digestão nunca foi fácil para ela, de todas as coisas do mundo. Pára, percebe, analisa, contrai. Com a cervical em C e a lombar em S, acende a luminária (e a escrivaninha cada vez mais cinza, cada vez mais grafite, cada vez mais rascunho), abre o único livro espiralado que gostaria de não ler e o lê, fervorosamente, 6 horas por dia, até que o jantar fique pronto, até que o chuveiro esquente aquela água clorada, até que um amigo (que reconhece suas marcas invisíveis) on-line pergunte: "como você está?" e ela responda: "tô bem, tô indo...".
Olha agora para o teto, cheio de falsas estrelas e explica para si porque elas brilham no escuro: "são os elétrons excitados voltando para as camadas menos energéticas e liberando ondas eletromagnéticas em forma de luz". Permite-se, por um instante: "quando foi que tudo ficou tão vazio?".
Enche mais um copo com gelo, muito gelo.